A primeira vez que eu escrevi o rascunho para esse texto foi logo depois de uma conversa com a Gisella, em uma parada para um café, aqui do lado de casa. O dia era frio e o café, dessa vez, quente (eu costumo pedir ele gelado). Não lembro exatamente como começou ou acabou esse papo, mas no meio dele falamos sobre o trabalho dela e o meu, e então sobre a página dela e a minha – do instagram. Falamos sobre pessoas que conhecemos e pessoas que nem sabemos se existem (mas que ajudam a ilustrar as nossas ideias), e então sobre assuntos maiores, e sobre energia, motivação, determinação e empolgação.
Fazia um tempo já em que eu falava em voltar a escrever ou produzir algum conteúdo pra página, e até aquele momento nenhuma conversa ou relance de empolgação havia se transformado em palavras num “papel”. Até, finalmente, essa vez. Curiosamente, precisou ser justamente uma conversa sobre motivação e determinação que me deu um impulso e desejo de colocar a mão na massa novamente.
Depois de algumas horas organizando as ideias e escrevendo pontos que eu gostaria de tratar, resolvi dar uma parada, com a pretensão de voltar no dia seguinte. Qual não foi a minha surpresa quando a vontade, até então bastante elevada começou a ser engolida por um pensamento de que talvez as ideias não fossem tão interessantes assim, ou que eu não tivesse condição de me satisfazer com o que produziria. Não deu outra, fiquei ao menos uma semana sem nem olhar para o arquivo, e as letrinhas pareciam a essa altura se embaralhar pra mim. A ideia aqui não era me debruçar em um artigo acadêmico, com referências, cuidado e cautela, mas sim escrever algo que eu gostasse e conseguisse, a partir dele, desdobrar alguns posts no Instagram. Era somente isso e, mesmo assim, eu me encontrava absolutamente travado.
Queria estar sempre empolgado!
Escrever está sendo difícil, e não somente porque escrever é difícil, mas também porque não escrever gera desconfortos diversos, e a verdade é que meu processo é feito tanto de momentos onde escrevo quanto de momentos onde não escrevo. Quando estou escrevendo eu realmente sinto que isso faz sentido, e eu começo a ter ideias para outros textos. Meu corpo fica mais agitado, um pouco elétrico, inclusive. Quando eu travo, no entanto, não consigo parar de pensar que estou perdendo tempo, e que vou deixar passar oportunidades (o que faz meu coração bater mais forte e embrulha um tantinho meu estômago).
- Abro aqui um parênteses para o Bruno psicólogo:
Não somente é possível, mas válido e útil diferenciar certos tipos de desconforto. De forma breve, entendemos que existe um sofrimento de primeira ordem, limpo – derivado diretamente de experiências aversivas (como a dor de bater com o mindinho no sofá, ou a tristeza de perder alguém querido) – e um sofrimento de segunda ordem, que é chamado também de sofrimento sujo. Veja bem, nós, enquanto seres humanos, não vivemos apenas a nossa condição e experiência direta, mas também o julgamento e a avaliação sobre a nossa condição e experiência. Assim, não somente sofremos por um ocorrido, mas somos comumente preenchidos de pensamentos, julgamentos e críticas por quem fomos, por quem cremos ser e pelo que pensamos significar a nossa existência diante do que ocorreu. Assim, sofremos mais – muito mais, e isso é o sofrimento “sujo”.
Não é raro na minha experiência clínica ouvir pessoas se queixando de que o humor delas oscila e, entenda, não falo aqui de qualquer paciente com diagnóstico de bipolaridade ou depressão – são pessoas sem qualquer transtorno de humor que notam variações no seu humor e produtividade. Existe, assim, um desejo comum a vários pacientes de que eles consigam, sempre, estar tão capazes, potentes e produtivos como em seus melhores dias. Eles querem ser todo dia o seu 100%, e sofrem quando notam que não o são. Seu sofrimento é recheado de pensamentos de que há algo de errado nisso (por vezes patológico). Se questionam se são “bipolares”, ou se tem algum transtorno de personalidade; me questionam se isso é doença e porque isso ocorre – e dão a entender que não deveria ocorrer. Então, sofrem, e sofrem muito por perceberem seus dias difíceis e suporem que eles são um problemão a ser resolvido.
-Parênteses fechado, e seguimos.
Se os dias em que estamos com menor energia podem ser, por si só, mais chatinhos, é nítido que a dor de notar esses dias e entende-los como algo anormal, patológico, ou incomum agrava ainda mais o sofrimento. E eu preciso ser honesto com vocês: eu queria, lá no meu íntimo, também estar sempre empolgado. Compreendo que existe um custo nisso, e seria impraticável, mas o pensamento, e o desejo, não deixa de existir por completo. Se algo me traz alguma paz, no entanto, é a compreensão muito clara de que, bem, não tem nada de errado comigo por eu ter dias de menor energia e produtividade – nenhuma doença, síndrome, patologia, ou diagnóstico parece servir ou ser útil em explicar o que acontece aqui.
Pois bem, eu quero continuar escrevendo, conseguir terminar esse texto, e não ficar à mercê dos dias onde estou empolgado para produzir. Isso simplesmente não é uma possibilidade a qual eu pretendo me permitir. Se assim for, eu terminarei somente no próximo ano um texto que, nesse momento, nem duas páginas tem. Isso não é algo em que eu posso simplesmente me entregar, obviamente.
Uma coisa eu sei, então: os dias de alta energia são raros, e os de baixa energia também o são, e a verdade é que, esperando sentado, a tendência vai ser sempre do meu humor se manter absolutamente mediano. Se eu não conseguir produzir sem estar empolgado, então, realmente, esse texto provavelmente não sairá tão cedo.
Nosso modo soldado
Ainda que a normalidade da oscilação do nosso humor seja algo a se aceitar, isso não significa, necessariamente, se entregar por completo aos dias mais desmotivadores (aliás, a ideia sobre “aceitação” aqui diz respeito a compreender a natureza e normalidade de certa oscilação, e não sobre se resignar à vida como ela é). Convenhamos, é mais difícil sair para caminhar em um dia nublado, e é difícil começar um trabalho ou estudo quando temos tempo sobrando. Ainda assim, talvez tenhamos que sair para caminhar mesmo no dia nublado, e fazer os trabalhos em algum momento antes da data limite.
Regras de que só devemos agir sobre forte desejo e empolgação provavelmente nos levarão a constante paralisia. Por vezes, o que cabe para simplesmente notarmos a nossa vida se dirigindo a algum lugar habitável é começar algo, ainda que sem direção clara, ou com a sensação de que a energia só basta para alguns poucos minutos.
A essa altura do texto eu tenho me proposto a começar ele, tão somente. A todos os dias começar ele. Não a escrever por 1h, ou 30 minutos, mas iniciar a leitura até o ponto onde parei e tentar alguma coisa dali em diante. Essa é a regra que eu estipulei e que, no momento, tem dado certo. Esperar estar empolgado para escrever não funcionou e essa nova regra parece gerar mais frutos. Existem dias em que leio e escrevo por 10 minutos, e tem dias em que eu leio e escrevo por 1h, entre revisões, reescritas e alguma pausa para leitura.
É mais fácil quando a gente está em movimento
Ainda que a minha nova regra seja “fazer”, ou “começar”, fica fácil notar que, quando eu dou início a leitura e escrita, raras são as vezes onde eu não fico mais agitado por aqui (e isso é bom). O que ocorre é que, quando eu começo, eu passo a gostar mais de quem eu sou, e isso, ainda que não seja a meta final, é algo que pode vir a acontecer.
Quando estamos parados não nos expomos a qualquer sensação agradável referente a atividade em si e, por vezes, nossa cabeça começa a gerar pensamentos bastante negativos ou distorcidos sobre o que pensamos em fazer – como por exemplo ir à academia, estudar para uma prova, ou, nesse caso, a escrever. Não é raro que a experiência se mostre neutra, ou mesmo prazerosa, contrariando pensamentos ansiosos que nos dizem que teria sido horrível ou de que não valeria a pena.
E, é sério, eu não paro de me deparar com pensamentos de que talvez não valha a pena seguir a escrita, e de que precisarei reiniciar tudo do zero. Até o momento, não tenho me esforçado muito pra mandar o pensamento embora, preferindo deixar ele escrito por aqui.
Aquilo me fazia brilhar os olhos
Se esperar a motivação nascer de forma espontânea pode ser um problema, gerando paralisia, o mesmo não necessariamente é verdade para a busca de motivação. “Esperar estar motivado”, quando quer dizer: almejar estar motivado, não é um problema, de forma alguma. Diferentemente de “esperar estar motivado” enquanto: aguardar parado a motivação aparecer.
Nem sempre é possível fazer algo motivado, mas se é melhor com motivação e empolgação, tente ir até ela, então. A fagulha para voltar a escrita não veio de qualquer intenção em ter vontade, é verdade. Eu simplesmente conversei com alguém que amo, sobre um assunto que me encantou; ouvi; fui ouvido e, felizmente, aconteceu. Ainda que tudo tenha ocorrido sem a minha intencionalidade, tenho aí indicativos de que há algo que me movimenta, e que me faz brilhar os olhos.
Criar situações que aumente a chance de se motivar é um passo que pode ser dado quando se observa com atenção o que ocorre na sua vida. Perceber o que brilha os seus olhos direciona as ações e, muitas vezes, às impulsiona.
Então, ao menos note
A última paralisia veio quando eu concluí a segunda página. Depois de reler, começaram a aparecer pensamentos de que o texto não estava tão fluido quanto no início, como que se quisesse apenar me livrar dele.
Perceber o que reduz a motivação também é recurso para insistir em algo que precisa ser insistido. Sua desmotivação pode vir de fatores externos, ou internos. Barulhos na vizinhança, algum parente chato, um dia ruim, ou pensamentos que parecem brotar sem que nada pareça acontecer, e que é acompanhado de sensações físicas desagradáveis, como batimentos cardíacos acelerados, tremor, náusea e inclua aqui mais todos aqueles sintomas típicos da sua ansiedade e medo, de vergonha e tristeza.
Do início ao fim eu fui rodeado de pensamentos desconfortáveis sobre a continuidade da escrita, pensamentos esses que costumavam se diluir conforme eu escrevia, ou conforme eu conversava com alguém (geralmente a Gisella). Esses pensamentos foram fiéis companheiros e se mantiveram firmes e insistentes, sempre ao meu lado, para o meu infortúnio. Eu não queria eles ali, mas não adiantaria pedir educadamente para eles irem embora. Aliás, eu entendi que faria sentido conversar com eles, e expor eles a público por aqui. Se eles me dizem que serei exposto ao ridículo ao publicar esse texto, bem, eu fico aqui então na expectativa de que eles sejam tão ridicularizados quanto, quando isso tudo se encerrar.
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